segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Minha vida a bordo

Quando comecei a trabalhar em um navio não sabia exatamente o que esperar da minha rotina. Tinha algumas expectativas pelo que pesquisei antes, sabia que seria um tempo de muito trabalho e aprendizado, mas também me imaginava passeando pelo mundo nas minhas horas de folga. Assim que soube que meu roteiro seria no Caribe... ah, já me imaginei pelas praias azul turquesa todos os dias sendo feliz como se não houvesse amanhã. Acontece que há um hoje e um amanhã, de muuuito trabalho, então todas essas horas de folgas no começo do contrato foram para dormir e descansar meus doloridos pés de ficar 10h/dia em pé. 

Esse foi o momento que vi minha casinha pela primeira vez e já me apaixonei. 

E assim se passaram as primeiras semanas, mal saindo pra ver a luz do sol, que dirá passar horas na praia. A verdade é que meu horário nem sempre era favorável para sair do navio. Normalmente eu tinha cerca de 3h de intervalo no meio do dia, o que não dava muita margem para grandes passeios. Muitos dos portos onde paramos é longe das atrações e das praias, então precisa contar o tempo de táxi para chegar nos lugares, os dólares gastos, calcular bem o tempo para não se atrasar na volta... tudo isso comparado ao fato de ter piscina, jacuzzi e internet ilimitada (paga) e boa no navio me fazia ficar quietinha no meu canto me recuperando entre os turnos de trabalho. 

Eu trabalho no atendimento ao cliente, que foi a área que escolhi e gosto muito! Para entender melhor é preciso visualizar o navio de cruzeiros como o que ele é realmente: um grande hotel flutuante. Nosso trabalho é basicamente a recepção do hotel. O check-in é feito antes de embarcar, então os passageiros não tem que obrigatoriamente passar pelo nosso balcão. Só nos procuram quando tem dúvidas ou reclamações. Apesar de não ter nenhuma experiência direta nesse tipo de atendimento, como guia de turismo eu atendia bastante as dúvidas e reclamações dos meus clientes. Isso foi fundamental para me fazer desenvolver as habilidades para esse serviço. As competências técnicas e o conhecimento do sistema e dos serviços prestados no navio é que foram - e ainda são - o grande desafio. 

O sorriso de quem foi correndo trocar de roupa no meio do expediente porque hoje é noite formal. Com esse uniforme eu me sentia violando as normas da praxe sem a capa (entendedores entenderão).

Minha primeira semana foi um caos. Essa é a forma mais gentil que posso descrever esse momento. Era a primeira vez que eu pisava em um navio. Comecei a trabalhar observando meus colegas e tudo era muito confuso, muitos programas, muitas senhas, muitos sistemas informáticos para aprender. Para cada solicitação tem várias etapas a cumprir. Tudo é rigorosamente registrado e não tem muita margem para erro, porque lidamos com informações pessoais e financeiras dos passageiros a bordo. A primeira reação é: pânico! O que que eu to fazendo aqui? De onde eu tirei que ia conseguir? Nunca vou aprender isso tudo! Calma, respira. Vai dar tudo certo.

E deu. Deu super certo! Em três semanas eu já estava lidando com dinheiro em caixa, já tinha senha para todos os sistemas e conseguia resolver muita coisa sozinha. Mas também ainda pedia bastante ajuda aos colegas e supervisores, porque TODO DIA aparecia uma demanda nova sobre algo que eu nunca tinha ouvido falar antes. Essa é a parte difícil. Aprendizado diário, pessoas diferentes, cada uma com um jeito de lidar. Não dá pra mentir, é cansativo, suga todas as suas energias, mas é gratificante. No fim do expediente sempre vinha aquela sensação de "sobrevivi a mais um dia". 

E o orgulho? :)

Um ambiente novo é sempre desafiante e isso se potencializa ao infinito num ambiente novo E confinado. Durante meses você convive com as mesmas pessoas, frequenta os mesmos lugares e come a mesma comida. Não posso dizer que é uma rotina monótona porque é exatamente o oposto, uma rotina emocionante!

O convívio em confinamento aflora TODAS as suas emoções, as boas e as que você nem gosta tanto. Lembro de chegar no quarto com vontade de chorar sem motivo aparente e encontrar minha colega de quarto chorando, também sem motivo aparente. Então colocávamos uma música e chorávamos, ríamos e conversávamos por um tempo. O navio exige uma maturidade emocional que vai fazer toda a diferença entre passar 6 meses de aventura e crescimento ou 6 meses de frustração e cansaço. 

Primeira vez que saí do navio, em Bonaire.

Meu porto favorito, Grand Turk. Descer do navio já pisando na areia pra mim é a definição de perfeição.

O que nos mantem emocionalmente saudáveis a bordo são os amigos que fazemos. É nesse espaço confinado que você se torna tão íntima de algumas pessoas que duvida do pouco tempo que as conhece. Aliás, as amizades a bordo são uma parte linda dessa jornada. Hoje tem um pedacinho de mim espalhado pelo mundo, distâncias que as redes sociais tentam encurtar, mas que eu sei que só um abraço apertado vai sanar. São vidas que em poucos meses me transformaram de tal forma que de agora em diante quero partilhar todos os detalhes da minha vida com eles e quero saber deles também. Graças às redes sociais conseguimos manter essa proximidade, com aquela pequena agulhada no coração nos lembrando da longitude do reencontro, mas que enquanto doer é um bom sinal.

 Crew bar antes da meia noite...

...Crew bar depois da meia noite.

Minha experiência foi marcada principalmente pela pandemia que ainda nos assola. Tivemos privilégios que nunca aconteceram antes, ficamos em quarentena como hóspedes, com o navio todinho pra gente. Um sonho! No plano "normal" eu estaria agora terminando minhas férias e me preparando para embarcar novamente em 2 semanas. Mas 2020 tinha outros planos, e por isso não sei nem se volto ao mar esse ano. O aprendizado foi interrompido e os reencontros adiados, mas nunca me passou pela cabeça que não vão acontecer. É só questão de esperar mais um pouco. 

E eles foram a melhor parte dessa aventura. 

Minha gangue 💗

Minha mala está pronta e meus braços ansiosos para envolver novamente esses queridos que já fazem parte da minha vida há tantos anos afetivos.

São só lembranças...

segunda-feira, 25 de maio de 2020

Conhecendo São Cristóvão e Nevis

Antes de começar, posso chamar de St. Kitts? Eu dou muita importância a nomes, sei que esse país tem um nome em português, mas vou chamar pelo nome em inglês mesmo por motivos de: é mais fácil e eu gosto mais. Então tá.

A imensidão do mar enquadrada na natureza local


Esse pequeno arquipélago do Caribe é o menor país independente da América, formado por duas ilhas principais, a Ilha de São Cristóvão (Saint Kitts) e a Ilha de Nevis. Quem diria! Pois bem, eu conheci a ilha de St. Kitts, um diminutivo carinhoso para Saint Christopher, o nome oficial (em homenagem a Cristóvão Colombo, obviamente, que foi o primeiro a avistar esse pedaço de terra em 1493). Fiz um tour bem curtinho, cerca de 3h, onde passamos pelas ruas da capital Basseterre, visitamos uma fábrica de batique e fomos até Timothy Hill, um miradouro lindo.

Foi uma excursão para cerca de 20 pessoas, com guia explicando os locais por onde passávamos. No centro de Basseterre vimos alguns prédios públicos e casas típicas do local. É uma cidade sem arranha-céus e construções muito modernas. Conserva bem o estilo caribenho de casas e prédios coloridos e baixos, dando ares de cidade pequena. Como não paramos por lá não consegui tirar fotos, porque ou eu apreciava a vista e prestava atenção no guia ou tirava fotos ruins num minibus em movimento. Escolha fácil.

É disso que to falando, era essa a qualidade de fotos que eu conseguiria durante o passeio por Basseterre. Esse é um bairro de casas populares na saída da cidade.

Caribelle Batik

Nossa primeira - e principal - parada foi na Caribelle Batik, uma fábrica de batique, técnica de tingimento de tecidos originária na Ilha de Java, na Indonésia. A fábrica fica a poucos minutos da capital (na verdade tudo lá fica a poucos minutos da capital, já viram o tamanho da ilha? rs). St. Kitts possui uma estrada principal que circunda toda a ilha, facilitando os acessos com vistas bem bonitas ao longo do caminho. 

Informações para visitação na fábrica. Precinho amigo.

O batique consiste em cobrir o tecido de cera nas partes que não quer tingir e então aplicar a tinta. Se quiser fazer uma estampa colorida é preciso aplicar várias camadas de cera, uma para cada cor. Após cada aplicação lava-se o tecido para retirar completamente a cera. O resultado final fica incrível, com nuances de forma e um efeito bonito de trabalho manual. 

A visita é livre e começa pelos belíssimos jardins da propriedade. Então seguimos para uma sala onde é feita a demonstração da técnica e onde tem uma loja com os produtos a venda. A Caribelle Batik existe desde 1976 e produz peças únicas usando o centenário método indonésio. Nem só de cangas, toalhas e lençóis vive o batique. De vestidos a bolsas, são inúmeras as opções de peças e acessórios feitos na Caribelle. Um show de cores. 

Demonstração de batique na Caribelle Batik. No alto tem uma sequência de quadros com um coqueiro, demonstrando todos os passos para chegar no resultado final. Quanto mais cores quiser, mais passos a seguir e mais camadas de cera.


Batique nos jardins da fábrica

A Caribelle fica numa propriedade histórica colonial, chamada Romney Manor, e preserva grande parte dessa história, como árvores centenárias, e partes da construção original. 

Parte da construção centenária de Romney Manor

Timothy Hill

Partindo de lá fomos para a segunda e última parada do dia, o Timothy Hill. Um miradouro de onde se avista de um lado o Oceano Atlântico e do outro o Mar do Caribe. 

Visitar a fábrica foi muito bom, gostei de aprender um pouco da história e dessa técnica tão curiosa de tingir tecidos, além de estar num lugar muito bonito. Mas o Timothy Hill foi minha parte favorita do tour, sem dúvida. Paramos apenas por alguns minutos para ver e tirar fotos, mas por mim ficaria horas caminhando pelo local, descobrindo ângulos diferentes, apreciando a vista... gosto muito de miradouros e me perder pelos horizontes. É de onde mais nos apercebemos da grandiosidade e imensidão que é nosso planeta. 

Do lado esquerdo o Atlântico, do lado direito o Mar do Caribe. 

Tudo pra dizer que o lugar é lindo. O miradouro fica na beira da estrada, facílimo de achar e tinha bastante gente e uma barraca grande com souvenirs. Além disso também encontramos por lá um tipo de turismo que não apoio: exploração de animais. Alguns locais com pequenos macacos ofereciam os bichos para tirar foto. Eles estavam acorrentados ao dono e usavam fraldas descartáveis. Recusei logo quando me abordaram, mesmo já tentando colocar o macaco no meu braço sem perguntar antes. Deu dó dos bichinhos...

Enfim, tirando esse pormenor, o passeio foi incrível e muito informativo. Não tenho informações sobre a agência que promoveu o tour porque foi tudo organizado pela empresa de cruzeiros onde eu trabalho, eu só compareci ao local. Estando lá é bem acessível fazer essas visitas por conta própria também. Porém recomendo o passeio guiado pela capital, para aprender mais sobre esse país tão desconhecido.

Um pouco de história e curiosidades

Como já falei lá em cima, São Cristóvão e Nevis é o menor Estado soberano da América, embora ainda faça parte da Commonhealth. Possui cerca de 55 mil habitantes e mais que isso de macacos. Nosso guia explicou que St. Kitts tem mais macacos que pessoas, por isso a exploração animal é tão comum, infelizmente. A fruta-pão (breadfruit) faz parte da rotina alimentar local e é largamente produzida nas ilhas. Trazida da Malásia pelos ingleses para as colônias nas Antilhas, essa fruta se adaptou bem ao clima e solo locais e é uma importante fonte de alimentação para a população até hoje. Outro cultivo importante até os anos 2000 era a cana de açúcar. Foi a primeira colônia caribenha a receber e produzir o fruto, por séculos, até interromper em 2005, por não ser mais rentável. 

Sua independência é bem recente, de 1983. Foi colonizado por França e Inglaterra desde o séc. XVII. Como todas as colônias, traz marcas profundas desse período. Uma delas é um episódio que ficou conhecido como "Bloody River", um massacre onde cerca de 2000 nativos forram assassinados por ingleses e franceses em 1626, que aconteceu às beiras de um pequeno rio próximo à capital. As mortes foram tantas que as águas do rio ficaram vermelhas de sangue, daí o nome. Hoje em dia existe ali um memorial (Bloody Point) para não deixar que essa marca se apague. 

Local onde aconteceu o massacre aos nativos e escravos, conhecido como Bloody River. O rio passa à direita das placas, não foi um ponto de descida, então não consegui fotos melhores.

A população nativa foi praticamente dizimada no período colonial e atualmente os são-cristovenses são maioritariamente descendente de escravos africanos. Nosso guia também falou sobre a simbologia das cores da bandeira atual do país, verde: fertilidade; vermelho: os massacres sangrentos; preto: os escravos africanos; amarelo: luz do sol; branco: esperança e igualdade.

St. Kitts possui seis universidades internacionais (fiquei impressionada pelo número, considerando o tamanho do país), pois eles acreditam que a educação é o melhor caminho. O nível de alfabetização é altíssimo, cerca de 98% da população é alfabetizada. É um povo orgulhoso de sua terra e de sua natureza.

Árvore centenária nos jardins da propriedade da Caribelle Batik


Não tive tempo para explorar mais a ilha de St. Kitts e não fui à Ilha de Nevis, mas foi o suficiente para entender que os locais amam seu lugar e tem orgulho de sua história. Nosso guia se referia o tempo a "nossa bela ilha" e um outro são-cristovense passou por mim enquanto eu visitava a fábrica de batique e perguntou "você gostou da nossa bela ilha?" Mais tarde fui perceber, pesquisando aqui no google um pouco mais sobre St. Kitts, que o hino nacional deles se chama "O Land of Beauty". Que incrível ver pessoas crescerem com tanto orgulho da própria terra, felizes em receber visitantes e orgulhosos de mostrar sua história. 

Anota aí ;)

  

  


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